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Do viés dos cotistas

Matheus Dias

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Ao ingressar no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Matheus Dias, estudante da primeira turma de cotistas 50% do curso, se deparou com um mundo em que não pertencia e que, das mais diversas formas, fazia de tudo para o expulsar, o que o jovem considera um dos choques iniciais e mais marcantes da entrada na Universidade.

É comum que estudantes — em sua maioria negros — não consigam se manter e se adaptar ao ambiente e acabem por desistir do curso. “Quando você entra no curso de Arquitetura e Urbanismo, você tem que comprar vários materiais de desenho e de medição. Mil lapiseiras, mil canetas Uni Pins, essa caneta hoje custa por volta de R$ 12 a R$ 16. É um curso muito caro e quando você entra como cotista e não tem um apoio financeiro, fica muito complicado de se manter”, conta Dias.

Ainda que tenha resistido ao ambiente acadêmico, Matheus frisa como a pressão da universidade o afetou. “Eu cheguei a ficar doente, psicologicamente falando, não só por conta das questões financeiras, mas também por uma questão psicológica, de cobrança do curso.” Dentre essas questões, está a situação que mais o marcou em sala de aula, quando uma professora afirmou que o estudante tinha “cara de vagabundo” e ele reagiu reafirmando o que ela disse, dessa vez para um colega que chegou no ambiente logo em seguida, deixando a professora constrangida. “Isso aconteceu, nitidamente, por conta da minha cor, por conta da minha origem”, pondera Matheus.

"Imagina só, você andando na rua, e você - apontando pra mim - andando atrás dela. Obviamente ela ia ficar com medo, ela ia sair correndo."
Professora de projeto arquitetônico da UFC

“A situação foi bem constrangedora pra ela, ela não sabia o que dizer, não sabia como reagir. Acho que ela nunca tinha sido confrontada com tais atitudes. (...) É muito mais uma questão cultural, uma questão de como essas pessoas de classe mais abastada veem aquelas de classe menos abastada, ou então veem a coloração daquela pessoa. É complicado a gente julgar isso. Foi interessante, no fim das contas, desmistificar aquela pessoa e fazê-la enxergar os outros de outros modos. Hoje mesmo ela deve agir de outras formas, como já me disseram.” declara Matheus.

 

Do ponto de vista dele, os avanços da Lei de Cotas são evidentes. Em 2014, afirma, era raro ver pessoas negras ocupando a instituição. Para ele, os movimentos de valorização da negritude foram intensificados nos últimos anos e a quantidade de pessoas negras circulando pelo campus Benfica é bem maior do que na época em que ele ingressou na universidade. “A presença, o visual é muito marcante comparado a cinco anos atrás. Consigo fazer uma comparação nítida na minha cabeça”, afirma o estudante.

 

Dias destaca também que o curso exigia dos alunos trabalhos que demandam um grande gasto de dinheiro, sem distinção ou recorte de estudantes cotistas e não cotistas. “Durante todo o meu primeiro semestre, pelo menos, nós lutamos e nós realmente dissemos que nós não temos condições de ficar pagando esses valores para um trabalho que poderia ser feito de outras maneiras, utilizando materiais mais baratos. Eles não aceitavam isso de forma alguma. Tinha que ser o material mais caro”, afirma.

 

Mas, um dos avanços é que esses gastos foram repensados nos últimos anos. A mudança partiu também dos professores, que passaram a repensar a forma de ministrar suas aulas e algumas atividades, levando em consideração as pessoas que não possuem condições financeiras para arcar com materiais mais caros, antes considerados insubstituíveis.

Aline Silva

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Aline Silva, estudante cotista do IFCE Aracati, também relata suas dificuldades na academia, entre elas situações em que tentam diminuí-la por ter ingressado através das cotas.  “Quando as pessoas sabem que eu entrei por cotas, é natural perguntarem qual foi minha nota no ENEM pra usar as cotas como argumento do porquê eu entrei na academia”.

 

Entretanto, ela ressalta a diferença que a lei fez e faz no seu convívio quando enegrece os ambientes tornando, aos poucos, a trajetória dela e de outros estudantes negros menos solitária. “Eu noto que tem cada vez mais negro ingressando na universidade e nos institutos, e me sinto menos sozinha a cada semestre. A academia tem ganhado uma nova cara e isso tem incomodado muito quem preza pelo eurocentrismo acadêmico.”

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